Doença de von Willebrand

Doença de von Willebrand

A doença de von Willebrand é a coagulopatia hereditária mais comum em diferentes populações humanas

O que é

A Doença de von Willebrand (DvW) é a desordem hemorrágica mais comum em todo o mundo, afetando aproximadamente uma em cada 100 indivíduos. No entanto, apenas uma em cada 10.000 pessoas apresentarão sintomas clínicos, sendo que homens e mulheres são afetados numa mesma proporção. Pessoas com a DvW apresentam disfunção na produção de uma proteína chamada de Fator de von Willebrand.
A DvW é dividida nos Tipos 1, 2 e 3. O Tipo 1 representa de 70 a 80% dos casos e é caracterizado pela diminuição da produção do Fator de von Willebrand. O Tipo 2, que é dividido nos subtipos 2A, 2B, 2M e 2N, acomete 20% dos casos e é caracterizado pela produção do Fator de von Willebrand com a qualidade comprometida. O Tipo 3 representa cerca de 5% dos casos e é caracterizado pela ausência da produção do Fator de von Willebrand.

Onde o Fator de von Willebrand é produzido?

O Fator de von Willebrand é produzido por apenas dois tipos de células: os megacariócitos e as células endoteliais. Os megacariócitos são as células que irão produzir as plaquetas. As células endoteliais formam uma camada especial de células que ficam aderidas na parte interna do vaso sanguíneo. As células endoteliais estão continuamente produzindo e liberando o Fator de von Willebrand para a circulação sanguínea, garantindo assim, a sua presença em quantidades normais em pessoas sem a DvW.

Qual é a função do Fator de von Willebrand?

O Fator de von Willebrand é uma proteína que participa em etapas da coagulação do sangue. Ele é responsável por funções importantes, como permitir a agregação das plaquetas onde há rompimentos de vasos sanguíneos, participando assim no início da coagulação. O Fator de von Willebrand também é importante porque atua como transportador do Fator VIII da coagulação, uma proteína que atua na ativação da cascata da coagulação e ativação da fibrina, que promove a formação de um coágulo resistente juntamente com as plaquetas.
Quando ocorre diminuição da produção do Fator de von Willebrand, ou quando ele é produzido com a qualidade comprometida, são esperados problemas que são relacionados com a agregação das plaquetas ou com a diminuição da quantidade de fator VIII.

Sintomas

Antes de falar sobre os sintomas é importante dizer que os sangramentos acontecem quando não existe o tratamento adequado. Se a pessoa com DvW possuir o diagnóstico correto e o tratamento apropriado, a qualidade de vida é praticamente normal.
Os sintomas da DvW variam entre os pacientes e isso depende da quantidade e da qualidade do Fator de von Willebrand produzido pelo organismo.
Por exemplo, crianças que possuem a forma mais leve da doença apresentam mais frequentemente equimoses (manchas roxas na pele) e sangramentos do nariz e na mucosa da boca. Na fase adulta, são comuns hematomas (sangramentos internos maiores, muitas vezes presentes em músculos) e, nas mulheres a falta de atuação do von Willebrand faz com que os vasos sanguíneos uterinos não parem de sangrar após a fase descamativa que caracteriza a menstruação, assim estas pacientes além de apresentarem fluxo aumentado, o mantém por tempo prolongado. Outros sangramentos, tais como os gastrointestinais, são mais graves e acometem principalmente as pessoas diagnosticadas com os Tipos 2 e 3. Para esses sangramentos, o tratamento adequado é primordial. As hemartroses (sangramentos dentro das articulações) ocorrem em maior quantidade nas pessoas que apresentam os Tipos 3 e 2N em consequência desses tipos também apresentarem redução na quantidade da proteína do Fator VIII. É importante ressaltar que se as hemartroses ocorrerem repetidas vezes em uma mesma, ocorrerá o desenvolvimento da artrose. Outras causas ginecológicas podem ser responsáveis pelo sangramento aumentado nas mulheres e devem ser investigadas.

Diagnóstico

O diagnóstico da DvW é baseado na história de sangramento presentes na pessoa e em membros da sua família, juntamente com a realização de exames laboratoriais. Uma série de exames podem ser solicitados pelo médico hematologista, sendo que incluem aqueles que analisam a quantidade e a qualidade do Fator de von Willebrand, o estudo de agregação plaquetária, o grau de atividade de Fator VIII, dentre outros. O diagnóstico na DvW não é fácil e necessita de um laboratório especializado para a sua realização.
Infelizmente, muitas pessoas com a DvW ainda não foram diagnosticas, ou possuem o diagnóstico incorreto. Por exemplo, pessoas com o Tipo 3 ou 2N algumas vezes são diagnosticados erroneamente como tendo hemofilia A. Isso ocorre porque nessas pessoas a quantidade de Fator VIII presente no organismo é reduzida por consequência da falta de Fator de von Willebrand, que possui, como uma de suas funções, a estabilização do Fator VIII. Outro exemplo são os casos do Tipo 2B, onde o Fator de von Willebrand apresenta aumento na sua atividade de ligação com as plaquetas, ocasionando maior agregação plaquetária. Devido a essa característica dos pacientes com o Tipo 2B, pode haver erro com o diagnóstico de uma doença denominada de púrpura trombocitopênica trombótica.
É muito importante que o diagnóstico correto seja realizado porque isso influenciará diretamente na realização do tratamento adequado.

Tratamento

O tratamento da DvW tem como objetivo normalizar os níveis, tanto de quantidade como de qualidade, do Fator de von Willebrand presente na circulação sanguínea. Esse objetivo pode ser atingido ao se aumentar a liberação desse fator pelas células endoteliais, ou pela infusão intravenosa do Fator de von Willebrand.
Para cada Tipo da DvW há um tratamento preconizado. Dessa maneira, é de grande importância que o diagnóstico seja realizado corretamente para que seja administrado o tratamento adequado. Vejamos a seguir quais são as opções tratamento e quando que podem ser utilizados:

Acetato de Desmopressina (também chamado de DDAVP)

O DDAVP pode ser administrado através de injeção intravenosa, subcutânea ou por spray nasal. O Brasil conta com a forma de administração endovenosa, no entanto, em alguns países é utilizada a versão subcutânea ou por administração nasal. Esse medicamento tem a capacidade de aumentar a liberação do Fator de von Willebrand presente na célula endotelial para a circulação sanguínea. Dessa maneira, aumenta-se a quantidade desse fator, auxiliando assim na manutenção da sua função no organismo.
O DDAVP é utilizado nos casos diagnosticados com o Tipo 1 e em alguns casos com o tipo 2A, 2M e 2N que respondem a esse tipo de tratamento. O Tipo 2B não pode utilizar o DDAVP porque o seu uso pode resultar no agravamento da coagulopatia. O Tipo 3 não apresenta benefício com o uso do DDAVP.

Agentes antifibrinolíticos (ácido tranxâmico e o ácido épsilon aminocaproico)

Agentes antifibrinolíticos têm a função de diminuir a degradação da fibrina, que é uma proteína formada durante a coagulação com a função de produzir um coágulo durável. Esse medicamento é utilizado sozinho ou em combinação com o DDAVP ou com a reposição do Fator de von Willebrand em casos de sangramentos da mucosa do nariz, da gengiva ou no sangramento menstrual.

Reposição com concentrado de Fator de von Willebrand

A reposição intravenosa com o concentrado de Fator de Willebrand é muito importante nos pacientes com o Tipo 3 e na maioria dos casos do Tipo 2, sendo este muitas vezes o medicamento mais importante. Nestes dois grupos, o 2 e o 3, o concentrado de Fator de von Willebrand deve ser utilizado para controlar os sangramentos intestinais, os sangramentos articulares, e qualquer outro sangramento que prejudique a qualidade de vida. Pacientes com do Tipo 1 também podem necessitar da reposição desse Fator em situações onde a coagulação precise ser melhor controlada.
O concentrado de Fator de von Willebrand pode ser produzido através de sua obtenção de plasma de doadores. Neste caso, esse fator recebe o nome de “plasmático”. O concentrado de Fator de von Willebrand plasmático pode ser encontrado em sua versão conjugada ao Fator VIII ou purificada, sendo que neste caso, há a presença apenas do Fator de von Willebrand. Além do fator plasmático, existe aquele que é produzido através de técnicas de engenharia genética, sendo este conhecido como fator “recombinante”. No entanto, o Brasil ainda não dispõe das formas recombinante ou von Willebrand isolado.
É importante dizer que os pacientes com o Tipo 3 e a maioria dos pacientes com o Tipo 2 precisarão da terapia adequada de reposição com o concentrado de Fator de von Willebrand para apresentarem melhor qualidade de vida.

Tratamento hormonal para os sangramentos ginecológicos

Mulheres com DvW que apresentam aumento do sangramento menstrual podem necessitar de tratamento hormonal com o uso de contraceptivos como maneira de diminuir a intensidade desses sangramentos.

A Dvw precisa ser diagnosticada corretamente para que o indivíduo receba o tratamento correto. São vários os subtipos desta coagulopatia, converse com seu Hematologista sobre o seu subtipo e se necessário solicite mais informações em seu Hemocentro de referência.
Com o diagnóstico correto, o Hematologista irá indicar o tratamento mais adequado para você. Lembre-se de relatar durante a consulta quais são os sangramentos que você apresenta, a frequência com que eles aparecem e a sua intensidade. Todos os sangramentos incomuns precisam de atenção. Se você for mulher, pergunte para o Hematologista as vantagens de você também fazer o acompanhamento com um Ginecologista.
Procure sempre melhorar a sua qualidade de vida. Entenda o máximo que puder sobre a DvW, quais são as atividades e tratamentos recomendados para você. Faça as consultas de rotina no Hemocentro. Embora a DvW ainda não tenha cura, existem soluções que podem melhorar o seu dia a dia.

Elaboração:

Francisco de Paula Careta – Biólogo e Professor das Disciplinas de Hematologia Clínica, Bioquímica Clínica e Patologia na Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre e Doutor em Investigação Biomédica pela Universidade de São Paulo. Membro do Comitê de Assessoramento Técnico em Hemostasia do Ministério da Saúde. Presidente da Associação dos Hemofílicos do Espírito Santo de 2003 e 2005 e de 2015 até a presente data. Vice-presidente da Federação Brasileira de Hemofilia de 2015 até a presente data.

Kelly M. Kafer Kussudo - Gestora comercial. Vice presidente da Associação Paranaense de Hemofilia e Von Willebrand. Mãe de pessoa com Doença de von Willebrand.