Outras coagulopatias hereditárias raras

Outras coagulopatias hereditárias raras

A doença de von Willebrand e as hemofilias A e B são as coagulopatias hereditárias mais comuns e, juntas, correspondem a 95% dos casos. As 5% restantes são conhecidas como coagulopatias hereditárias raras (CHR)*.

A definição de “raro” está diretamente relacionada ao critério de prevalência da doença na população. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 100 mil pessoas, 65 são afetadas por algum tipo de doença rara. Isto é, a cada 2,2 mil pessoas, uma terá algum desses tipos de doença. É nesse cenário em que estão inseridas as coagulopatias, como é o caso da hemofilia e outros tipos de enfermidades relacionadas às alterações genéticas da coagulação do sangue.

Existem oito tipos principais de deficiência dos fatores de coagulação considerados CHR, além de outras combinações, que têm como manifestações clínicas mais frequente os sangramentos prolongados. Neste grupo encontram-se as deficiências dos fatores de coagulação: I ou fibrinogênio; II ou protrombina; V; VII; X; XI; XIII; deficiência combinada de V e VIII e outras deficiências combinadas.  A prevalência varia de um para cada 500 mil indivíduos a um para cada dois milhões de indivíduos. As mais raras são a deficiência de fator II e a do fator XIII.

Apesar de nem todas as coagulopatias raras disporem de um fator específico para reposição, todas elas tem tratamento.

As manifestações clínicas das diferentes coagulopatias variam muito entreos indivíduos, mesmo naqueles com o mesmo tipo de deficiência. Os sintomas incluem sangramentos em pele e mucosas, no sistema nervoso central (SNC) e em coto umbilical (especialmente nas deficiências de XIII, X e I). As hemorragias dentro das articulações são menos frequentes do que nos casos de hemofilia. Sangramentos espontâneos muitas vezes não ocorrem nessas pessoas, ou seja, acontecem apenas após procedimentos invasivos como extração dentária e cirurgias ou em função de traumas.

Para a deficiência dos fatores I, VII e XIII há concentrado pró coagulante específico. No caso da coagulopatia nos fatores II e X, há o concentrado contendo os fatores dependentes de vitamina K (II, VII, IX e X) em diferentes concentrações. Para a deficiência do fator XI, existe concentrado de fator XI, porém este possui risco aumentado de desencadear trombose e ainda não está disponível no Brasil, sendo o tratamento feito com a infusão de plasma fresco congelado (PFC). O mesmo acontece quando há deficiência do fator V, uma vez que não existe seu concentrado.

A falta de informações específicas e estudos científicos sobre o assunto interferem diretamente no diagnóstico e tratamento dessas coagulopatias.

O diagnóstico depende da realização de testes especializados e esses nem sempre estão disponíveis de forma rotineira. Além disso, pode existir uma diferença no padrão dos sintomas hemorrágicos e o fato de não ter concentrados de fator específicos para tratamento de todas coagulopatias raras pode prejudicar o tratamento. Portanto, é fundamental que as pessoas com qualquer tipo de coagulopatia recebam orientação e tratamento nos centros especializados, ou seja, nos Centros de Tratamento de Hemofilia (CTH).

Após a confirmação do diagnóstico, o paciente deve ser cadastrado no Sistema Hemovida Web Coagulopatias, do Ministério da Saúde, para que seja disponibilizado o tratamento específico. No serviço de hemofilia, o indivíduo e seus familiares são orientados com relação à patologia, suas manifestações, riscos e cuidados.

Profilaxia

Apesar de serem alterações genéticas assim como a hemofilia, há uma diferença importante em relação a profilaxia. A ‘prevenção’ nem sempre deve ser indicada nos casos das coagulopatias raras, pois não há comprovação científica clara sobre a eficácia da profilaxia em todos os casos. Por isso, a experiência e bom senso dos profissionais dos CTH’s são fundamentais para que o melhor tratamento seja oferecido, de acordo com cada indivíduo e seu histórico pessoal.

Embora existam essas restrições, uma vez que seja feito o diagnóstico, haja o fator de coagulação disponível e a indicação da profilaxia, o indivíduo segue os mesmos procedimentos que uma pessoa com hemofilia e pode inclusive fazer a infusão do fator em domicílio. A frequência da reposição intravenosa pode ser diferente. Haja vista que o fator XIII tem uma meia vida prolongada a prevenção deve ser feita uma vez no mês. O mesmo não acontece com o fator VII, por exemplo, que tem meia vida mais curta. Portanto, é necessário avaliar cada caso de forma individualizada.

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Prevalência da doença

Deficiência do Fator I (fibrinogênio) – 1 para cada 1 milhão de pessoas
Deficiência do Fator II (protrombina) – 1 para cada 2 milhões de pessoas
Deficiência combinada de V e VIII – 1 para cada 1 milhão de pessoas
Deficiência do Fator VII – 1 para cada 500 mil de pessoas
Deficiência de Fator X – 1 para cada 1 milhão de pessoas
Deficiência de Fator XII – 1 para cada 1 milhão de pessoas
Deficiência do Fator XIII – 1 para cada 2 milhões de pessoas

* MANUAL de Coagulopatias Hereditárias Raras do Ministério da Saúde – 2015.

AS DESORDENS HEMORRÁGICAS NAS MULHERES

As desordens hemorrágicas que podem atingir as mulheres vão desde as alterações nas plaquetas até os distúrbios nos fatores da coagulação.

As hemofilias A e B e a doença de von Willebrand (DvW) respondem por 95% das coagulopatias hereditárias conhecidas. Os 5% restantes são denominadas coagulopatias raras, como as alterações no fibrinogênio (Fator I), na protrombina e nos fatores de coagulação V, VII, X, XI e XIII. Outro tipo de desordem hemorrágica é a trombopatia, condição rara provocada por distúrbios na função das plaquetas – seus tipos mais conhecidos são a Tromblastenia de Glanzmann e a síndrome de Bernard-Soulier.

Há dois tipos de herança envolvida nas desordens hemorrágicas: a autossômica (ou seja, ocorrem em homens e mulheres e não estão ligadas aos cromossomos sexuais) e a ligada ao sexo (cromossomo X).

Embora comumente relacionada ao sexo masculino, a hemofilia é uma coagulopatia hereditária, ligada ao cromossomo X, que também pode atingir as mulheres. As mulheres que portam o gene da hemofilia A ou B podem apresentar sintomas hemorrágicos e se comportar clinicamente como alguém com hemofilia leve.

As demais coagulopatias, como a doença de von Willebrand, as trombopatias e outras coagulopatias raras, são autossômicas. Deve-se atentar que também podem ocorrer casos decorrentes de novas mutações genéticas e que, portanto, não são hereditários.

Entre as desordens autossômicas, merece destaque a doença de von Willebrand. Estima-se que 1% da população mundial tenha DvW, porém, como as formas mais leves da doença (tipo 1) representam 75% dos casos, somente 1% dos casos acabam sendo diagnosticados, pois os sintomas, às vezes, só surgem ao se extrair um dente ou durante uma cirurgia. No sexo feminino, o diagnóstico acaba sendo mais frequente devido à presença de menorragia e sangramentos associados ao parto.

Semelhantemente à hemofilia, a hemorragia nas articulações (hemartroses) também podem acontecer em casos mais graves de DvW como o tipo 3 e tipo 2N. Nesses casos, está indicada a profilaxia com fatores de coagulação e tratamentos ortopédicos, como a radiossinoviortese e cirurgias. Em outras doenças hemorrágicas, a hemartrose é menos comum.

Diagnóstico e tratamento

O aumento excessivo da quantidade de fluxo menstrual, também conhecido como menorragia, é um dos principais sintomas das desordens hemorrágicas que atingem as mulheres. Este sintoma afeta a qualidade de vida das mulheres e também pode causar anemia por perda de sangue.

Outros sintomas são a fadiga pela anemia, depressão, medo de se sujar, mudanças na carreira e até a descrença nos médicos por não conseguirem compreender a situação. A cólica menstrual, endometriose, sangramento anormal em cirurgias e manipulação dentária também são frequentes na Doença de vonWillebrand (DvW).

O diagnóstico tardio das desordens hemorrágicas nas mulheres pode interferir diretamente na qualidade de vida da paciente, principalmente nas crianças.

O diagnóstico preciso das coagulopatias a partir da história clínica e de testes laboratoriais é indispensável para o tratamento correto da doença. Um dos principais cuidados é acreditar nos sintomas que as pacientes relatam, já que muitos sinais (como a menorragia) acabam negligenciados por serem considerados uma característica comum a outras mulheres da família.

Os cuidados ao longo da vida dependerão do diagnóstico de cada pessoa. O consenso é que todas as mulheres com desordens hemorrágicas sejam acompanhadas nos hemocentros e por ginecologistas/obstetras com conhecimento de sua condição hemorrágica e seu tratamento hematológico. Também é importante que a pessoa com uma desordem hemorrágica porte identificação de seu diagnóstico e orientações para tratamento emergencial e evite o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) e seus compostos, bem como anti-inflamatórios.

O tratamento das desordens hemorrágicas também depende do tipo de doença (confira na tabela). Todos os medicamentos são fornecidos pelo Governo e estão disponíveis nos hemocentros. Além dos medicamentos, podem ser utilizados concentrados de plaquetas nas trombopatias, tratamentos hormonais nos casos de menorragia e ainda concentrados de fatores específicos nas coagulopatias raras. Em alguns casos, está indicada a profilaxia com fatores de coagulação, tanto para as formas graves da DvW quanto para outras coagulopatias.

Dependendo do diagnóstico, podem ocorrer sangramentos durante o parto e depois de alguns dias. Por serem doenças hemorrágicas hereditárias, os filhos dessas mulheres poderão ter as mesmas patologias. É indispensável que as crianças sejam avaliadas, principalmente se apresentarem sangramentos aumentados.

Também é importante que se cadastrem em um Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH), onde poderão encontrar profissionais qualificados e medicamentos apropriados e custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Tipos de tratamento

O acompanhamento das desordens hemorrágicas deve ser feito por hematologistas e uma equipe multidisciplinar nos Centros de Tratamento de Hemofilia. Alguns tratamentos disponíveis são:

DvW, hemofilia, trombopatias e coagulopatias raras:  ácido tranexâmico em comprimidos

DvW, hemofilia, trombopatias e coagulopatias raras (exceto em alguns tipos 2 de DvW e hemofilia B): desmopressina (DDAVP) injetável ou intranasal (indisponível no Brasil)

DvW: concentrados do fator VIII/vW

Portadoras sintomáticas de hemofilia A e DvW (na falta do fator vW): concentrado do fator VIII

Casos mais graves de portadoras de hemofilia B: concentrado do fator IX

Trombopatias, principalmente trombastenia de Glanzmann: fator VIIa recombinante