O desenvolvimento de inibidores é uma das complicações de grande relevância para as pessoas com hemofilia. O Inibidor é um anticorpo produzido pelo organismo contra a atividade dos fatores de coagulação VIII ou IX exógenos, ou seja, aqueles utilizados para o tratamento de reposição. Ao ser exposto a um desses fatores de coagulação, o sistema imune do indivíduo não o reconhece como uma substância produzida pelo próprio organismo e desenvolve defesas contra essa substância. Essas defesas impedem que o fator exerça a função esperada no tratamento, que é fazer a coagulação em um sangramento.
O principal sinal da presença de inibidores é a falta de resposta ao uso do fator de coagulação VIII ou IX. Além disso, devem ser observados sangramentos de maior volume, não condizentes com o nível do trauma, assim como a presença de muitos hematomas superficiais.
O desenvolvimento do inibidor está ligado a diversos aspectos, mas principalmente, a mutação genética responsável pela hemofilia naquela pessoa. Algumas dessas mutações favorecem o desenvolvimento de inibidores, por isso existe uma tendência familiar. Isso quer dizer que se algum familiar tem inibidor, é maior a chance de outros membros da mesma família com hemofilia também desenvolverem. Outra razão que pode influenciar o surgimento de inibidor é o uso elevado de doses de fator em função de procedimentos cirúrgicos ou traumas que causaram grandes sangramentos, sobretudo se o uso destas doses elevadas de fator acontecer antes do início do tratamento profilático.
A incidência cumulativa de inibidores é de cerca de 20 a 35% nas pessoas com hemofilia A grave, até 5% em pessoas com hemofilia A moderada e leve e de até 5% em pessoas com hemofilia B grave.
O inibidor é diagnosticado por meio de um exame chamado “pesquisa de inibidor” e, quando for positivo, deve ser dosado para que a melhor conduta possa ser determinada.
Em geral, os inibidores surgem nas primeiras exposições ao fator, ainda na infância, pois esse é o momento do desenvolvimento do sistema imunológico. A incidência é maior até a 50ª aplicação do fator de coagulação. Em função desta possibilidade, a pesquisa de inibidor deve ser sistemática, ou seja, realizada a cada 10 dias de exposição ao fator, nas crianças que iniciam o uso do fator de coagulação, para que o inibidor seja identificado precocemente caso exista. Mesmo que não ocorra o desenvolvimento nesta fase, se a pessoa com hemofilia tem a mutação genética que predispõe ao desenvolvimento, outras situações que envolvem o uso de altas doses de fator, como cirurgias, devem ser monitoradas.
Dois são os tratamentos possíveis para pessoas com inibidor: 1) Tratamento de hemorragias agudas, utilizando altas doses de fator ou agentes de by-pass e; 2)Terapia de Indução de Imunotolerância (ITI).
As pessoas com inibidor são divididas em dois grupos: 1) aqueles de baixo título, onde a dosagem de inibidor é menor de 05UB/mL, podendo ser tratados com doses altas de fator e; 2) os de alto título, quando é necessário o uso de agentes by-pass para o controle dos sangramentos – e estes são os candidatos à ITI. Os agentes de by-pass são o Complexo Protrombínico Ativado (FEIBA) ou Fator VII Recombinante ativado (Novo Seven).
A ITI corresponde a um tratamento de dessensibilização, ou seja, o indivíduo recebe doses de fator de coagulação programadas, a fim de que o organismo o reconheça como uma substância produzida por ele mesmo, e deixe de produzir anticorpos. No momento, é disponibilizada gratuitamente pelo Ministério da Saúde para as pessoas com hemofilia A e tem um índice de 60% a 80% de sucesso na erradicação dos inibidores.
Apesar de a ITI consistir na infusão de fator VIII, ela não trata episódios hemorrágicos se o titulo do inibidor estiver acima de 05UB/mL. Assim, conforme a resposta de cada indivíduo, o episódio deve ser tratado com agentes by-pass. Se este apresenta muitos episódios de sangramentos, deve receber concomitante ao uso da fator da ITI a profilaxia com o agente de by-pass adequado ao seu caso.
Considera-se sucesso total do tratamento da ITI se o inibidor estiver negativo e a meia vida do fator for maior que 6h, em um tempo máximo de 30 meses de tratamento. No entanto, também é considerado sucesso (parcial) se no final desse tempo o indivíduo apresentar inibidor, mas responder a tratamento com fator VIII, sem a necessidade do uso de agentes de by-pass. Explicando melhor: no caso do sucesso parcial, o indivíduo apresenta inibidor menor que 5UB/ml e pode ser tratado com fator de coagulação, tanto para profilaxia quanto para estancar sangramentos mas, neste caso, em doses mais altas do que as pessoas que não tem inibidor.
O tratamento de ITI deve ser conduzido pelo médico hematologista do Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH)/Hemocentro. Se no CTH não houver a possibilidade da realização dos exames, o indivíduo pode ser tratado no CTH mais próximo ou então, as amostras de sangue podem ser enviadas para um laboratório especializado, indicado pelo Ministério da Saúde.
Elaboração e revisão técnica: Dra Claudia Lorenzato – médica hematologista e pediatra. Mestre em Pediatria e especialista em transplante de medula óssea pela UFPR. Cursando Doutorado em pediatria com foco em Hemofilia. Curso de extensão em Hemofilia em Oxford (Inglaterra) pela Federação Mundial de Hemofilia. Médica do HEMEPAR, membro do Comitê de Assessoramento Técnico do Ministério da Saúde e da FBH.